As crônicas verdadeiras sobre as notáveis mulheres normais 7. Daniela

Daniela é professora primária. É paciente, delicada. Trabalha como voluntária numa residência para idosos todos os sábados. Vai à missa pontualmente aos domingos, coordena o coral das crianças e ano que vem vai se casar com o Fábio, por quem é extremamente apaixonada há 3 anos.

Mas o que Daniela queria mesmo fazer é fabricar granadas. Grandes, pequenas. Potentes. E vê-las explodir grandiosamente na cabeça de cada homem que acredita que pode mexer com ela na rua quando ela anda sozinha. Todos os homens que fazem com que ela tenha que olhar por cima do ombro num lugar meio vazio ou escuro. Aqueles que fazem as adolescentes terem vergonha do próprio corpo. Os que acham bacaninha denominar as mulheres como seres de outras espécies em voz alta (gata, vaca, girafa, galinha, cachorra, hipopótamo…). Os idiotas que acham que não é sim, e que pra quem é normal um pouquinho de coação. Os que assoviam, mandam beijos, dizem gracinhas e fazem gestos asquerosos para completas desconhecidas enquanto suas filhas estão em casa fazendo a tarefa escolar.

Os imbecis que a fazem sentir que de alguma forma ela está em desvantagem só pelo fato de ter nascido com dois cromossomos x.

Sim, Daniela pensa que essa gente merece explodir. Ela quer fabricar essas bombas maravilhosas, usá-las e distribuí-las entre outras mulheres para que nunca mais nenhuma delas se sinta desprotegida, acuada como um felino do mato pedindo pela vida, na mira do caçador.

E não há nada de metafórico nisso, ela quer ver o sangue jorrar mesmo. Quer ver a mancha de sangue com pólvora no chão, os restos de miolos grudados nas paredes, entranhas retorcidas irreconhecíveis em algum outro canto. Deseja que a sua própria cara fosse banhada com o sangue deles para que ela pudesse sair por aí gritando como William Wallace, brandindo granadas diante de rostos atônitos. Ela gostaria muito de ser temida por esses homens – o respeito deles já não é suficiente para ela. Ela quer medo. Pavor.

Ela pensa na construção de uma prisão aonde essas criaturas desprezíveis fossem torturadas diariamente. Imagina-os sendo chicoteados enquanto várias pessoas ao redor gritam comentários jocosos a respeito dos seus pênis. E tantas outras formas de tortura.

Daniela apenas antecipa um problema à sua Guantánamo anti-machista vingadora: imersos numa cultura que semeia a desigualdade entre os gêneros com tanto carinho e apreço, como distinguir culpados e inocentes?

Ela não sabe. E está cansada.

Eu também. Nós todas estamos.

Por isso, ao que parece, Daniela pensou na melhor solução até agora: granadas.