As crônicas verdadeiras sobre as notáveis mulheres normais 5. Isabel

Quando Isabel tinha 24 anos, voltou das suas férias de verão na praia com uma manchinha de sol no rosto.

Sua mãe não a via, suas amigas diziam que não viam, nem seu o namorado via aquela porcaria de mancha, mas a Isabel sim. Aquela manchinha asquerosa bem ali, na cara dela, que é tão vaidosa. Um mês antes ela não existia, mas agora ela estava ali. Feia e desagradável, como uma visita indesejável que ela não tinha convidado.

Isabel não sabia o que fazer. Passou mais protetor solar, tentou uns cremes da sua mãe, foi à farmácia ver que produtos haviam para problemas como o seu. Nada. A mancha desafiando-a, rindo da cara dela.

Entrou em pânico… e se a mancha aumentasse com o tempo? E se ela tivesse envelhecimento precoce? Rugas antes dos 30? Câncer de pele? E se ela ficasse feia e virasse uma bruxa com verruga?

E como boa paranoica hipocondríaca, Isabel resolveu buscar ajuda profissional, e foi à dermatologista. Numa bem famosa, que era pra não ter erro.

A recepção era grande, clara, bonita e repleta de clientes muito finas, bem vestidas e blasés (talvez porque todas as enzimas que já tinham injetado no rosto não permitissem movimentos faciais).

Depois de um atraso de hora e meia do horário marcado, uma estagiária da tal doutora Aline, famosa por tratar a acne (e outros problemas menos graves) da mais alta estirpe da sociedade, recebeu Isabel em seu consultório e perguntou-lhe, antes de tudo quantos anos ela tinha.

Diante da resposta, a doutora-estagiária suspirou:

– Ah, meus 24 anos…

Isabel crispou os lábios, olhando a jovem estagiária. Ponderou por alguns instantes e, por fim, disse que ela não parecia ter muito mais que a sua idade (o que a Isabel apenas supôs porque ela já era médica e atendia num consultório famoso), ao que a moça então respondeu que era porque a dermatologia realmente funcionava. O que a Isabel, que ficou muito intrigada tentando imaginar a idade da doutora, não sabia era que a moça só tinha 28 anos.

Após algumas perguntas sobre produtos utilizados e alergias, por fim, chegou doutora Aline. Antes de perguntar qualquer coisa ou de olhar a ficha recém preenchida pela estagiária, a doutora deteve-se diante de Isabel por alguns instantes elogiando o contorno de suas sobrancelhas. Segundo ela, era o contorno de sobrancelha mais desejado pelas mulheres e que para conseguir um igual aquele era muito caro (ela disse o valor, e Isabel percebeu que correspondia a um terço do seu salário e sentiu-se até meio feliz de já ter nascido assim).

Em seguida, Isabel contou-lhe sobre seu infortúnio com a mancha. A doutora, sem mais, presumiu que ela tinha tomado caipirinha na praia e sem deixá-la responder (no verão a Isabel teme a proximidade com os limões mais que a própria morte) disse que essas manchas se tratam com ácido.

Além do ácido para a mancha, a doutora passou uma longa lista de produtos e pílulas que, de acordo com ela, eram fundamentais para que a Isabel conservasse sua pele de moça de 24 anos de idade por todo o sempre (com o auxílio de botox dentro de alguns anos).

Isabel levou a receita na farmácia para fazer um orçamento e levou um susto muito grande. Grande mesmo. Decidiu, então, encomendar só o ácido para a sua mancha – ainda que a ideia de ter 24 anos para sempre fosse muito, muito tentadora.

Quando o ácido chegou, Isabel ficou muito feliz. Olhou pra mancha, vitoriosa, aplicou o produto e foi dormir.

Na manhã seguinte, tragédia. Parecia que a mancha e toda a pele em volta dela, aonde o ácido tinha tocado, tinham sido picadas por escorpiões durante a noite. E depois por aranhas. E depois por formigas. Saúvas.

Desesperada, descobriu de uma tranquila doutora ao telefone que às vezes esse ácido dá alergia. E neste caso, não é bom usá-lo. Nunca mais. Antes de desligar, a doutora também perguntou se Isabel não queria aproveitar o mês da depilação a laser.

Isabel olhou para o seu reflexo. A manchinha gargalhava. Assumindo a derrota, jogou o ácido fora e cobriu a vermelhidão com um pouco de pó durante alguns dias até ela sumir por completo.

Quando Isabel tinha 27 anos, voltou da praia e ao se olhar no espelho, a mancha por alguma razão parecia mais feia, escura e horrorosa que nunca. Aquilo era inaceitável e não combinava com o bronzeado tão bonito que ela tinha conseguido em três semana de sol, passando protetor solar francês e comendo cenoura crua.

Decidiu que era o momento de tentar de novo, dessa vez a dermatologista ia ter algo para ajudá-la. A mancha sorriu com o cantinho da boca, como quem diz “Boa sorte” ironicamente.

A nova médica era muito falante e alegre. Porém, disse que sem o tal ácido ao qual a Isabel era alérgica, era muito difícil tratar esse tipo de mancha. Não contente, tocou a região abaixo dos olhos de Isabel com os polegares dizendo que achava que estava na hora de começar a aplicar enzimas ali, e emendou ‘Sabe como é, né? A cada velinha que a gente assopra…’. Ela até informou o preço do “tratamento”, e Isabel constatou que esse também custava um terço do seu salário (mas aos 27 ela ganhava o dobro do que ganhava aos 24; faça você as contas).

E a isso seguiu-se mais uma lista enorme de produtos caríssimos e pílulas a base de colágeno na esperança de salvar o que restava da juventude da paciente. E a doutora também perguntou se ela não tinha interesse em depilação a laser.

Isabel entrou numa espiral de pânico. Não sabia com qual problema se desesperar antes:

  1. Sua mancha era ‘incurável’. Derrotada outra vez.
  2. Enzimas? Assoprar velinhas? Agulhas no rosto? Hã?????
  3. Por que as pessoas não paravam de oferecer depilação a laser para ela?

Passou semanas assustada e se sobressaltava toda vez que olhava no espelho e via as olheiras de madrugar para ir ao trabalho. E se sentia mais velha a cada segundo que passava diante da própria imagem. Como se não bastasse, de repente ficar mais velha virou algo aterrador e ela ficou com medo de fazer aniversário dali a 11 meses.

Não injetou nada no seu rosto. Tentou comprar as pílulas, mas descobriu que elas dão enjoo e podem provocar úlceras. Por fim, jogou as pílulas e o telefone da médica fora.

Mas desde então, utiliza creme para a área dos olhos diariamente.

Isabel fez aniversário semana passada. Trinta anos. Na manhã em que começou a nova década, fazia sol. Caminhou até o espelho, respirou fundo e olhou bem.

A mancha ainda estava lá, mas devia estar dormindo aquele dia porque Isabel demorou um pouco para encontrá-la, e ela não deu risada dessa vez. Já tinha algum tempo em que a danada não provocava mais a Isabel.

As olheiras também estavam lá, porque a Isabel continua levantando cedo todos os dias.

Ela também encontrou umas linhas suaves por aquela região, que não teve muita certeza se já tinha visto antes ou não, ou quando surgiram, nem porquê…

E pareceu que podia ter um risquinho bem tênue no meio da testa, mas Isabel não teve muita certeza, podia ser só uma sombra.

Isabel não pensa em ir à dermatologista este ano. Ou no próximo. E nem o seguinte.

Mas não deixa de usar creme para a área dos olhos. Todos os dias.