As crônicas verdadeiras sobre as notáveis mulheres normais 4. Maria Helena

Esta no assento bem à sua frente, ao lado da senhora de camisa azul que vai descer na próxima estação, é Maria Helena. A que está segurando a bolsa no colo com o olhar meio perdido. É, ela é mesmo muito bonita. Muito charmosa. Tem um estilo único, definitivamente.

E, sabe, ela não é só isso.

Ela é extremamente inteligente e muito divertida. Gente finíssima. Ela fala sobre todos os assuntos com todo o mundo, sempre com um sorriso no rosto, sem preconceitos.

Ela também lê romances e poesia direto do francês, mas não se gaba dessas coisas porque acha quem o faz meio patético. Meio não, super.

Ela adora arte, cinema e teatro, mas nunca vai ser pedante se você não souber quem é Klimt ou Kiarostami. Você pode aprender muito com ela, e nem vai se dar conta, vai achar divertidíssimo.

Ela gosta de comer bem, viajar e rir, rir muito. É uma bonne vivante acima de tudo. Disfrutar os lugares e momentos é com ela mesma. Faz piada o tempo todo e tem sempre uma pérola na ponta da língua. Vocês terão mil e uma piadas internas deliciosas. Ela pode ser carinhosa se você também for. E muito sexy, se ela achar que você merece. Ela tem habilidades e talentos que talvez você nunca descubra por puro desinteresse ou touperice sua.

Maria Helena, se quisesse, poderia alimentar-se de dois idiotas como grande parte dos homens que há por aí por dia. Ela não o faz porque, como aprendeu empiricamente, idiotas dão muito trabalho, demandam uma quantidade absurda de tempo e ela tem mais o que fazer: trabalhar, passear, ler, ver filmes, estar com a família e sair com as amigas. Entre outras atividades surpreendentes como aulas de tango ou de parapente.

Sim, eu sei. Ela é maravilhosa. E ainda por cima tem aquele sorrisinho irônico. Nossa…

Mas por favor, não mexa com ela, nem perturbe-a. Deixe-a em paz. Não queira conhecê-la melhor, bater um papo e ver o que rola. Não tente fazê-la gostar de você.

Por que? Porque você acha que quer a Maria Helena. Mas, na verdade, não quer.

Chegará um momento em que tudo o que você acha mais atraente nela hoje se transformará em pesadelo: sua inteligência, a vontade de viver intensamente, a independência, a autossuficiência. Neste momento, você perceberá a iminência do desinteresse de Maria Helena por você (ao contrário das coisas que ela gosta na vida, você é meio paradão e reclamão) e, assustado, tentará, sorrateiramente, colocá-la numa gaiola. Calá-la. Domá-la.

O único problema, meu caro, é que Maria Helena é uma força da natureza. E quando ela se der conta do seu movimento, quando tiver um vislumbre sequer, se voltará contra você com mais agressividade que um tsunami. Em breve só restarão os destroços – seus, dela e da relação.

Talvez você até consiga prendê-la por um tempo, usando uma chantagem emocional, porque ela, apesar de tudo, é sensível e não vai querer te tratar como um copo descartável ou um brinquedo velho. Ou seja, na reta final, você viverá sob a tortura da sua própria insegurança e ela sob a tortura do ciúme e do aborrecimento. Ou qualquer variação desta situação.

Maria Helena, então, se tornará a grande antagonista da sua vida. Ela não vai te amar como a sua mãe te ama – apesar das malcriações. Ela vai, invariavelmente, ficar nervosa e intratável quando você demonstrar o seu amor ficando com ciúmes e tentando impedi-la de viver, sendo bobo ou carente.

Porém, acima de tudo, sua falta de carinho, pequenos cuidados e delicadezas com ela irão sufocá-la, ao ponto de ela preferir ver novela de sexta-feira à noite a sair com você.

Você vai se machucar, e o tombo não vai ser pequeno. Mas o pior: você irá feri-la de morte. Porque na verdade, você nunca amou nem amará Maria Helena, mas sim a ideia de estar com uma mulher como ela. Pra você é uma questão de ego, de poder, vaidade, caça, ou do que seja. Pra ela, a possibilidade de, quem sabe, ser realmente amada, sendo como é – uma flor selvagem, um meio termo entre a virtude e a revolução (como, desde que conheceu Ian Hamilton Finlay, ela gosta de pensar em si mesma).

Obviamente ela vai se recuperar, lindamente, e virar uma versão ainda melhor de si mesma sem você. Mas o cinismo que traz um desamor será para sempre a marca indelével da sua passagem pela vida dela.

Por isso, repito, melhor deixar a Maria Helena em paz. Não atormente-a, não seduza-a com palavras vazias ou sentimentos egoístas. Deixe ela seguir viagem.

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